terça-feira, 28 de julho de 2009

Quero

Quero-te olhos
na minha retina
Quero-te poros
suaves sobre os meus
Quero-te língua
no meu céu
Quero-me líquida
toda em ti

Multidão

Muitas são
as mulheres que me habitam
Eu: uma multidão

Sonhos, dores, gritos
desejos, humores, medos
vidas de imensidão

Há em mim
muitas e imensas
mulheres em profusão

Minha alma túrgida
desdobra-se em
um milhão

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Penas e Pétalas



Madrugada fria
As flores úmidas
Esperam
O sol que arde
Horizontes vermelhos

Madrugada fria
Os pássaros túrgidos
Aguardam
O sol que arde
Horizontes vermelhos

Penas e pétalas
Unidas pelo desejo
De um sol que arde
Em horizontes vermelhos

*arte: Lang Shining

quinta-feira, 23 de julho de 2009

As flores vermelhas


enquanto tocas os medos
com a boca
abertas
as flores vermelhas
esperam as borboletas

enquanto calas os nãos
com os olhos
acarinhas
as flores vermelhas
teus dedos fundos

enquanto marcas de brasa
com a língua úmida
incendeias
as flores vermelhas
que queimam de amor

rastros de fogo no jardim

*arte: Salvador Dali

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Borboletas


Borboletas
Que sobrevoam
A página
Produzem
Muito mais
Significado
Que o esperado

Borboletas
Que sobrevoam
A máquina
Conduzem
A muito mais
Resultados
Que os sonhados

Borbo-letras elétricas
Na página da máquina
Pousam cruzam
As asas abrem
Um cheiro de rosas

terça-feira, 21 de julho de 2009

Sem sentido

Impossível
Segurá-lo dentro
Desliza pele afora

Escorre leitoso
Embaralha a ideia
E explode

Luz e calor
Um sol
Na garganta
Um céu cheio

Estrelas sem sentido

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Clair de lune

a luz lunar a cair
das alturas de uma escuridão sem fim
o piano alteia docemente
os sons se alternam delicados
há delícia em ver
com os ouvidos
há delícia em ouvir
com os olhos
de repente perceber
que doçura não se sente
com a língua somente
que ternura não se sente
com o seio somente

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Flor II


A flor entreaberta
A flor desejante
de um pouco de sol
pouco de vento
de terra
e cuidado

A flor desejante de amor
luta consigo mesma
e é vencida

cansaço e dor

Flor


A flor aberta
Perfume doce
Espalha no ar

A flor oferecida
Em último sacrifício
Mas é inútil

Ninguém está lá para colhê-la

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Amor de merda

Versos que não se encontram
Quanto mais se procuram.
Pessoas que não se encontram
Quanto mais se procuram.
A merda do amor
Que atrapalha a vida

A linda mensagem das músicas bregas
Que só querem nos tornar mais sensíveis
Menos afeitos ao ódio
Mas que não funcionam!
Não funcionam
Porque odiamos mais e mais essa maldita fragilidade
Que nos impõe o ser amado

Exigindo, por sua vez, mais e mais de nossa atenção.
E a gente dizendo:
Amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
Vá à merda, amor!

terça-feira, 7 de julho de 2009

Teste de paciência

Quando tocas a mão fria
no meu corpo quente
a pele arrepia
mas não sente

Quando tateias os nós ferindo entre
não abro
para que adentres

Quando teu corpo enfurecido
de mim afastas
choro triste

do abandono provocado

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Lembrança de infância II

Sempre que me olho num espelho me vem à mente uma recordação. Uma menina magrela diante do espelho em casa segurando outro espelho menor. Observa a menina, que sou eu, as imagens de um espelho dentro do outro se multiplicarem infinitamente. Mas, mesmo dentro da minha limitada sabedoria sobre ótica, sabia em menina e o sei também agora que a idéia de infinidade era uma ilusão, pois afinal só havia dois espelhos: aquele que estava dependurado na parede e o que estava em minhas mãos. Daí me surgia a dúvida: existe o infinito? Em percebendo a vida, logo respondemos que não. É fácil notar que tudo que vive, morre. Tudo que começa, acaba. Assim como a felicidade não dura para sempre, também o sofrimento um dia tem um fim. Então, a inexorabilidade parece ser certa.
Mas respostas fáceis tendem a ser de fácil contestação. Nada dura para sempre, mas tudo se transforma e recomeça, e se repete também sem interrupção. Ao mesmo tempo que morre o avô nasce o neto, e a família continua nos traços de um que voltam no outro. O infinito não existe, mas tudo continua apesar da nossa sanha de avançar ao encontro do nada. E dentro desse contínuo que somos nós nos repetindo, o infinito existe indubitavelmente, porque o fluxo da vida não cessa com a morte de um.
Assim como não existe mais a menina diante do espelho, porém ela não deixou de estar fascinada pela idéia da multiplicação de espelhos mesmo não sendo mais menina. Os espelhos ainda se multiplicam em forma de pensamentos sobre espelhos que se refletem num infinito de imagens que não pode ser parado.

sábado, 4 de julho de 2009

Questões III - poema de Alice Ruiz

Se a preguiça é pecado,
o que Deus estará fazendo agora?
Em que se ocupa aquele que tudo pode?
Terá restado algo por fazer
depois que o mundo foi criado?

Se o desejo é fraqueza,
Deus nunca deseja?
Mas se é verdade que nos criou,
algo nele desejou.

Se a vaidade é um erro,
porque nos fez
À sua imagem e semelhança?
Ou terá sido o contrário?

Porque criar alguém
capaz de duvidar da criação?
Porque nós e ele não?

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Lembrança de infância

Há uma lembrança da minha infância que sempre me incomoda. É a idéia que eu tinha de que sempre estava repetindo o gesto de alguém. Não que estivesse sempre brincando de sombra, e seguindo as pessoas para imitá-las. Era um pouco mais bizarra do que isso. Acreditava que em todo lugar do mundo havia uma menina parecida comigo repetindo os mesmos gestos que eu. Por exemplo, se estivesse tomando banho, fazia esculturas com o cabelo ensaboado de xampu, e aí pensava: deve haver uma outra garota, uma menina africana talvez, que agora nesse mesmo instante está também lavando os cabelos e fazendo esculturas com a espuma do xampu. Por que será que num mundo com tantos bilhões de habitantes só eu estaria fazendo isso? Se estivesse trançando os cabelos, por que não poderia haver uma chinesinha do outro lado do mundo trançando os cabelos também? E quando a minha mãe me chamava para comer, milhares de outras mães estavam chamando também suas filhas. E quando eu me sentava à mesa, todas as outras meninas sentavam junto.
O problema é que muitas vezes eu me pegava pensando que isso tudo era um sonho. Que aquelas meninas não existiam de fato e eram só imaginação, ilusão, coisa da minha cabeça. Até aí, tudo bem. O problema era quando eu me indagava: e se eu fosse a imaginação de uma delas?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Poema de Emily Dickinson

VIII

THAT I did always love,
I bring thee proof:
That till I loved
I did not love enough.

That I shall love alway,
I offer thee
That love is life,
And life hath immortality.

This, dost thou doubt, sweet?
Then have I
Nothing to show
But Calvary.