Um vazio profundo, portanto, se estiver procurando algo, pule para o próximo blog.
domingo, 26 de abril de 2009
O lago
O lago é uma imagem linda. A água é azul como a cor do céu num dia sem nuvens e cheio de poesia. É enorme também. Não tanto como mar, talvez seja apenas uma miniatura perto do oceano, mesmo assim impressiona. Se olhar rápido fica-se uma impressão de mar nos olhos, especialmente num dia como este: de vento. Há uma passarela que adentra as águas até certo ponto. A passarela é feita de tábuas de madeira e range um pouco, reclamando do peso dos passos sobre ela, é larga o bastante para manter as pessoas seguras, principalmente as que não sabem nadar como eu. Os banhistas costumam usá-la como trampolim. Caminham ou correm por ela, chegando ao final, se atiram em pose, braços erguidos sobre a cabeça, corpo inclinado, e lá se vão eles a braçadas, nadando nas águas frias. Algumas pessoas usam a passarela para pescar. Ali elas se sentam olhando o vazio no fim do anzol e reclamam baixinho dos banhistas, sem eles os peixes chegariam mais perto e provavelmente morderiam a isca.
Eu uso a passarela também. Caminho por ela observando as pequenas ondas que o vento forma na superfície do lago. É mesmo muito parecido com o mar. No horizonte, lá muito longe, as águas azuis do lago parecem estar roçando de leve os lábios no céu. É um beijo sem dúvida, porém é um carinho muito mais delicado do que o encontro furioso que se dá entre o mar e esse mesmo céu. O lago é mais romântico, penso, o mar é possessivo. Chego ao final da passarela. Olho de novo para o horizonte: é dia, o sol brilha e o vento arrepia a água. Minha sombra me mostra um cabelo que voa. Seguro com as mãos a saia para que ela não levante. Não quero parecer indecente diante de tantas crianças que brincam a poucos metros de mim na areia da praia. Praia artificial que não existia na época da minha infância.
Penso naquela época sem nenhuma saudade. Minha infância não foi tão alegre e desejo sinceramente que aquelas crianças sejam mais felizes do que eu própria fui. Agora me sento na borda da passarela como fazem os pescadores. O que vim pescar aqui? Meus olhos incansáveis buscam o infinito e mais uma vez só encontro o nada. Espero até que o último banhista saia? O sol cede além do lago. Aos poucos o horizonte se tinge duma tonalidade laranja, a mais bonita que já vi. Nenhum pintor é capaz de copiar a cor que a natureza irradia num pôr-do-sol. O vento piora. Cada vez mais forte. Posso ouvir as mães das crianças da praia chamando por elas. Assustadas as crianças juntam seus brinquedos. O vento ameaça derrubá-las. Assovia nos meus ouvidos e sacode o meu cabelo desgrenhado. Será que sou eu que provoco esta ventania? Afinal meu estado de espírito não está muito diferente. As pessoas não sabem, mas a natureza é muito solidária conosco. De alguma forma muito sutil as reações da nossa alma são refletidas pelas reações da natureza. Sempre chove nos dias mais felizes, quando a gente se angustia para que não vire tempestade aquela nuvem escura que tinge o céu.
Hoje eu queria o lago só para mim. Por isso o vento endoidecia, varria a praia cheia de crianças, fazendo a areia açoitar seus pequenos corpos seminus. Os banhistas logo rarearam, o vento terrível demais fez com que tivessem frio. Pescadores, já não os via, desistiram de pescar um peixe inexistente. E eu esperava, porém, tinha um momento correto para fazer o que tinha que ser feito. O sol se preparava para tocar de leve no mesmo lugar onde antes estava o leve beijo entre a água e o céu. As primeiras estrelas insistiam em aparecer, embora o vento tivesse trazido para o cenário as perturbadoras nuvens escuras que a qualquer momento poderiam tomar conta de tudo. Minha cabeça rodava. Não sabia se no final teria coragem o suficiente. Quando tomei a decisão que me trouxe até o lago, meu coração estava cheio de tristeza e mágoa. E foram ambas, tristeza e mágoa, que me impeliram até aqui. O lago da minha infância. Eu olhava perdida para os últimos raios de esperança, mas o sol da alegria já me abandonara outras vezes. Não tenho forças para lutar de novo contra o vazio da minha existência. É mais um erro, sei disso, mas os erros são tentativas de acerto e todo acerto é um erro que se esqueceu de dar errado.
Sim. Crescia dentro de mim a decisão final. A luz ainda resistia, embora o sol já tivesse se posto. Quem me olhasse de longe, sentada no final da passarela, observando o horizonte, saberia das minhas intenções? Talvez, se alguém realmente reparasse. Mas nessa hora o vento já tinha feito o limpa na praia de que eu precisava. Quase escuro, quase sozinha, num momento assim é que eu queria realmente dar o meu último abraço da vida. Levantei-me. Olhei para praia e tive certeza de que ninguém me via. Ergui os braços acima da cabeça, inclinei o corpo como antes os banhistas faziam, e me atirei na água. No princípio estranhei que água não fosse gelada. Era morna. Morna como a água da piscina no dia em que Oswaldo se foi. Boiei por alguns instantes antes de deixar que água me envolvesse completamente. Sim. Meu último abraço. Um abraço fatal.
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