quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ausência - Carta de Amelie a Oswaldo


Você me deixou e eu não vivo mais. Você me deixou e eu não sei por que o ar insiste em entrar no meu corpo. Não sei por que estou aqui nesse mundo terrível. Eu ando por aí sem saber como. A comida perdeu o sabor, a luz perdeu todo o brilho, o sol está diferente, as cores desbotaram, tudo está pesado e feio. Os amigos estão rindo a minha volta e eu com eles rio sem saber de quê. Talvez eu esteja rindo da minha dor absurda. Tudo o que eu consigo pensar é que você não me quer mais. O sofrimento é horrível. Sonho à noite com a sua volta. Acordo sorrindo para notar que não há mais ninguém ao meu lado.
Você disse que eu era sua querida. Você disse que eu era bela. Você disse que eu era livre. Me fez acreditar que eu era incrível. Me fez pensar que eu era importante. E agora não me quer mais. Você me ignora, me vira as costas, me abandona. Eu odeio tudo o que você fez comigo. Primeiro você me seduziu, me conquistou, me encheu de sonhos, me perturbou. Antes eu era só eu, não tinha amor, mas também não tinha problemas. Antes não havia barulho dentro de mim.
Aí apareceu você. Preencheu os meus pensamentos, encheu cada milímetro do meu coração. Os meus dias passaram a ser rodeados em torno do momento em que nós estávamos juntos. E como era bom estar junto com você. A vida não parecia mais tão sem sentido. Nem tudo era cinza, pelos seus olhos eu comecei a enxergar o rosa, o azul, o amarelo, o vermelho... era paixão, era amizade e seria amor. Seria amor se você não tivesse ido embora. Se você não tivesse me deixado. Eu odeio tudo o que você fez comigo. Seria amor se não fosse ódio. Seria amor se não fosse ódio.
Eu odeio tudo o que você fez comigo. Você me enganou, me estragou, me largou. De novo eu sou a largada, a deixada de lado, a solitária. Uma pária. Tenho vontade de correr na rua gritando o seu nome para os muros, exibindo o meu sofrimento. Gritar, berrar, dizer impropérios na frente da sua casa. Quero mostrar meu choro para todos. Quero que todos tenham pena de mim. Quero que as pessoas me olhem como se eu fosse vítima e você algoz. Quero que você seja crucificado em praça pública. Para que todos saibam o que você é de verdade. Para que todos saibam que você me negou a coisa mais básica que alguém pode dar a outra pessoa: amor. Você me negou seu amor. Você me negou uma palavra de carinho. Você me negou sua presença.
A dor é tão imensa que está difícil respirar. O ar arde na passagem obstruída pelos meus soluços. Eu mal posso acreditar que você teve coragem de dizer: eu não te amo mais. “Eu não te amo mais” é horrível. “Eu não te amo mais” é cruel. “Eu não te amo mais” é injusto. Quando o amor acaba deveria ser para os dois lados do casal. Como foi que o amor acabou assim só do seu lado? Eu não entendo nem quero entender. Eu não aceito nem quero aceitar. Eu só quero fechar os olhos e morrer. Morrer. Morrer. Quero morrer. Mas eu já estou morta. Morreu em mim aquela que sorria. Morreu em mim aquela que tinha vontade. Morreu em mim o desejo de ser. Morreu em mim o desejo de ter. Estou morta. Estou morta e foi você que me matou.
Você matou em mim o que havia de melhor, você matou em mim a alegria, você matou em mim a capacidade de amar. Eu não consigo respirar. Estou sem ar. Era você o ar que eu respirava. Era você que coloria minha vida. Minha vida era cinza até você chegar. Conheci as cores por seu intermédio, e agora? Como eu vou viver sem as suas cores. Como? Minha vida agora sem você nem é vida, é morte. Morreu tudo que havia de bom sentimento. Morreram todos os meus planos para o futuro. Não existe mais futuro. Meu futuro era você, era nosso amor, era nossa vida juntos. Não vamos mais ficar juntos. Não vou mais viver, não vou mais ficar entre os vivos.
Não quero mais fingir que está tudo bem. Nada está bem. Desde que você desapareceu. A sua ausência me pesa mais do que qualquer dor que eu já tive. E as dores não foram poucas. Às vezes eu penso: por que deus me fez? Se era só para sofrer, se era para não ter nenhuma alegria nesta vida, se era só para chorar, para quê? Se era para eu provar ao mundo o quanto a vida é triste, e que ainda se pode viver mesmo sem ter nenhuma alegria neste mundo, foi só por crueldade então que eu nasci. Será que deus é cruel? Deus porque me abandonaste? Se sabias que eu era fraca? Eu sou só um ser humano. Eu não agüento ser sacrificada uma vez por ano. Eu não mereço isso. Eu tentei ser uma boa filha, eu tentei ser caridosa, eu tentei ser o melhor que podia. E mesmo assim eu recebo o castigo anual. Castigo! Será só isso que eu recebo em troca de toda a minha boa vontade, de toda a minha vontade de ser boa?
Eu serei má agora. Eu cometerei o pecado dos pecados. Talvez deus não exista. Talvez ninguém se importe. Talvez ninguém nem note o que eu vou fazer. Eu estou prestes a cometer o maior atentado contra a vida que posso imaginar. Inventei o pecado dos pecados. Criei a pior coisa que alguém poderia pensar. E tudo isso foi a sua ausência que me revelou. E tudo isso acontecerá porque você não está aqui para me impedir. Voarei de encontro ao sol. Todo o calor do sol me espera. Queimarei na brasa eterna do céu infernal.

2 comentários:

  1. Como havia dito!
    Me encontrei no meu passado aqui!
    O presente é mais complacente!
    Beeeijos!

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  2. Quase sempre os textos dialogam entre si. Isso se chama intertextualidade. Este aqui dialoga direto com os seus, por isso essa identificação tão imediata.

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