Sobre o bolsa-família:
Existem muitas críticas
ao programa bolsa-família, mas eu acredito muito nele e quero
explicar a razão. Antes de tudo, deixa dizer de qual lugar eu falo:
sou professora de escolas públicas. Há dez anos que trabalho
exclusivamente em escolas públicas, para as quais entrei via
concurso público. Por causa disso, convivo e já convivi com
diversas famílias em situação de risco, daquele tipo que sobrevive
ameaçada por pobreza extrema, por violência, por falta de moradia
digna, por dificuldades de acesso a tratamento de saúde, etc. Já
tive bastante problema com os filhos dessas famílias, problemas de
toda ordem: meninos e meninas que sofrem muito e que fazem a gente
sofrer com eles. Já vi crianças desmaiando de fome porque iam para
a escola sem tomar café da manhã e sem almoçar, já vi
adolescentes se perdendo no mundo das drogas e da prostituição, já
vi meninos de 12 anos trabalhando para sustentar os irmãos mais
novos, já vi crianças que por todos os abusos sofridos não sabiam
fazer outra coisa que não fosse abusar dos outros... Mas também
conheço histórias de superação que merecem ser contadas.
Tenho na minha memória a
história de uma família de nordestinos. Pessoas que migraram de seu
estado porque acreditavam que aqui em Goiás teriam mais
oportunidades. No entanto, ao chegarem aqui se depararam com
dificuldades, se não piores muito semelhantes àquelas que
enfrentavam no seu lugar de origem. Eu os visitei onde moravam: um
barraco feito de restos de mdf e lona ao lado do cemitério parque. A
mãe era diarista e o pai catador de lixo e eu os conheci porque os
filhos foram matriculados na minha escola.
Não posso contar muito
do dia a dia dessa família, mas posso contar de dois momentos
apenas: o dia em que o pai foi matricular os filhos na escola e o dia
em que foi buscar a transferência. No primeiro momento nos
impressionou a todos como aquele catador de lixo era muito mais
esclarecido que muitos pais de renda maior do que a dele. Ele dava
muita importância aos estudos dos filhos, à leitura de bons livros,
e demonstrava um respeito à instituição escolar que talvez pessoas
de classe média não conseguiriam entender. No segundo momento, nós
nos despedimos daquela família muito tristes por não mais conviver
com eles, mas extremamente felizes porque eles tinham conseguido o
que vieram buscar em Goiânia: dignidade.
Por muito tempo eles
receberam o bolsa-família, e agora estavam indo para uma casa de
verdade que conseguiram comprar pelo Minha Casa, Minha vida. O filho
mais velho havia terminado o ensino médio e já trabalhava de
carteira assinada, a filha do meio terminou também os estudos a
pouco tempo, entrou numa faculdade privada e está pagando as
mensalidades com ajuda do prouni e a mais nova tem a expectativa de,
assim que terminar o 3º ano, conseguir entrar numa universidade
pública, através do sistema de cotas, pois sempre estudou em
escolas públicas.
O pai estava muito feliz
quando veio se despedir de nós. Fez questão de agradecer a todos os
professores que pode encontrar naquele dia. Segundo ele, foi naquela
escola que começou uma revolução na vida da família dele. A
família saiu de uma pobreza extrema para um nível de remediados. E,
em breve, devido ao aumento de escolaridade das filhas, eles
provavelmente vão atingir o nível de “classe média”. Os filhos
não vão precisar de bolsa-família, com certeza, e não vão passar
pelas mesmas dificuldades que os pais.
Para mim, essa é a
função do bolsa-família: ajudar famílias como esta e outras a
encontrarem um caminho para ascensão. Sair da pobreza extrema e
atingir um nível em que não precisem mais de receber ajuda do
governo. É claro que existem falhas no programa e é claro que deve
sempre haver fiscalização e reformulações quando estas forem
necessárias. Mas demonizar um programa como este, que está ajudando
tanta gente a ser gente, para mim é sinal de que este país tem
muito mais problemas do que conseguimos imaginar...