domingo, 28 de fevereiro de 2010

Risco

Uma voz
um risco no ar
É que ele geme me pedindo pra ficar...
A quais riscos você se apega?
A quais riscos você se entrega?
Me arrisco no ar desse olhar
que dura o sopro de uma chuva
Molhada de mar e ar
dor que me risca
e me cerca
e me acerta
e me suga
o ar
 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

poema sem eira nem beira
que sopra uma brisa exata
na fagulha da fogueira
abandonada  na  mata
funda   escura    pura
um  incêndio acende
labareda que lambe 
quente
e só

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Citação iv

à dúvida sucede a dúvida
na progressão geométrica
da dispersão do tempo

em nós.


Helena F. Monteiro

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Perturbação

Um galo dorme na minha cama. Acordo antes do sol nascer. Ele canta e eu levanto. O galo branco de crista vermelha me olha. Devolvo o olhar para ele e a gente se estuda.  Tenho medo do galo. Sinto meu corpo gelar, pés e mãos adormecerem, a boca secar.

"Que é que o senhor está fazendo na minha cama?" - pergunto.

O galo não responde, sorri e canta feliz. Reconheço o galo pelo canto. Fico feliz também. Deito novamente. O galo se estende espichado ao meu lado. Abraço meu homem de novo e durmo. Ele me puxa e se cobre comigo.

Eu me enrosco nele. Sou coberta e cobertor.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Livros de autoajuda

"Proteja suas emoções", diz um doutor psiquiatra, autor de um best seller qualquer.
E ele me diz como:
a) não tenha altas expectativas,
b) não exija do outro o que você mesmo não pode dar,
c) seja compreensiva, se o outro te faz sofrer é porque também está sofrendo.

E eu digo: adoraria proteger minhas emoções, contudo:
a) as expectativas se formam independentes de eu querer ou não, na maioria das vezes nem sou consciente delas. Elas se formam no meu inconsciente e dificilmente tenho acesso a elas, a não ser por sonhos, atos falhos, etc.
b) é um ótimo conselho não exigir o que não se pode dar, mas também é impraticável. Desde bebês somos dependentes dos outros. Nosso mais primitivo ser exige, deseja e é um imperador quase incontrolável. Mesmo que aos nossos civilizados olhos conscientes, as nossas vontades estejam sob o controle, a camada de fora não corresponde as realidades internas. Nas nossas profundezas, os bebês que fomos, exigentes e luxuriosos, reclamam e berram se não têm seus desejos satisfeitos. E isso indepede da vontade a alheia ou da nossa capacidade de sermos generosos. Ser generoso, doar-se em benefício do próximo, é aprendido socialmente. Já querer tudo para si e satisfazer somente as próprias egoístas vontades, é nosso natural, altamente instintivo. Ir contra nossos instintos causa problema sérios de saúde, acho até que doenças sociais começam assim.
c) compreensão é lindo. Entender que o sofrimento do outro é que o faz se descontrolar e, por isso, só por isso, que ele nos magoa, é lindo. A gente até entende, mas quem tem sangue frio o suficiente para compreender isso na hora da briga?
Lindos livros de autoajuda. Impraticavéis bons conselhos.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

nos sonhos

corpos fatigados
nos tempos do depois
aconchegados
embaraçados
um no outro
ainda atados
de amor
que escorre
em fio
enovelados

nós dando nós

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Citação iii: poema de Vladimir Maiakovski

LILITCHKA!
EM LUGAR DE UMA CARTA

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
um capítulo do inferno de Krutchônikh.
Recorda –
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu “hall” escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
Lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
O meu amor – duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que ti encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
Num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
Ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
Para mim
Não há sol,
E eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com o seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

26 de maio de 1916. Petrogrado.

Tradução: Augusto de Campos

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Bárbara


Papai não gostava de nos deixar ir às festas só as duas. Se mamãe não pudesse ir conosco, ele mesmo ia e, se nenhum dos dois pudesse, ficávamos todos em casa. Aconteceu de um dia a festa ser na casa de um vizinho e ele resolveu nos acompanhar. Fomos papai, Bárbara e eu. Nessa época, os bailes começavam cedo e tinha muita dança, mas nada de comida e a bebida era refresco. Nesse dia era assim também.
O local da festa não era muito distante e, logo que chegamos, papai foi ficar junto dos adultos para conversar e nós fomos para junto dos mais jovens. Eu tinha catorze anos e Bárbara era dois anos mais velha. Éramos as duas bonitas, eu menos, ela mais. Bárbara era dona de uma beleza antiga, de um tempo em que não se usava essa magreza que hoje é moda, mesmo assim, tenho certeza que não passaria despercebida em tempo algum.
Bárbara, mais saidinha, arrumava par bem mais rápido do que eu. Ela tinha namorado, mas não se importava muito com isso. O rapaz morava na roça e tinha combinado o namoro com papai, minha irmã ainda não se sentia comprometida. Então, quando íamos nalgum lugar, ela sempre encompridava os olhos para os lados dos rapazes. Bonita como era, não demorava, algum moço correspondia e começava o namoro.
Era tão diferente de agora. A gente namorava com os olhos. Mas era um negócio assim cheio de respeito. As pessoas ficavam comprometidas desse jeito e os outros todos respeitavam. Eram sorrisos, cabeças baixas, piscadelas furtivas e quando se era mais ousado olhava-se aberta e longamente para o eleito ou eleita.
Bárbara era do tipo ousada. Ela retinha os olhos no rapaz mais bonito e sorria cheia de malícia. Quando o moço valia mesmo à pena, ela era a primeira a dar a piscadela. Nesse dia, em especial, estava lá um desses namorados que ela gostava de admirar. Esse ela tinha conhecido na praça. Um moço alto que tinha como apelido Zezé e era peão numa fazenda que ficava nos arredores da cidade.
Os dois estavam naquelas de olhares e sorrisos já há algumas semanas. Ele vinha a cavalo no final do dia e passava sempre em frente de casa para vê-la na janela. E os dois namoravam de longe. Papai nem desconfiava, mamãe também não.
Nessa festa, contudo, as relações entre os dois ficaram um pouco mais explícitas. Zezé veio chamar minha irmã para dançar e ela prontamente aceitou o pedido. Dançaram os dois a noite toda. Papai olhando e eu, apurada, tentava por panos quentes.
- Não, papai, nós não conhecemos esse moço, e o que é que tem? Eles só estão dançando. Todo mundo está.
Mas papai, desconfiava, e retrucava:
- Os outros moços e moças não ficam o tempo todo, assim, coladinhos.
Depois ele saia de perto. E eu corria para Bárbara:
- Mana, cuidado, papai está te olhando. Ela vai levar a gente embora daqui antes da festa acabar.
Eu era ainda muito ingênua e pensava que a pior coisa que podia nos acontecer, em caso de desobediência, era ir embora da festa sem ter me divertido o bastante. Para mim, se a festa era boa, a gente tinha de ficar até a última dança, até os pés estarem tão doloridos que mal daria para chegar em casa.
Ainda não tinha experiência nos relacionamentos amorosos e nem sabia onde eles podiam nos levar. Namoro de olhar me parecia bom o suficiente e os meninos serviam para brincar de passa-anel e dançar. Por isso, não entendia quando Bárbara, apaixonada, ficava horas na janela olhando comprido para estrada. Não sabia que aquele olhar para o rapaz no cavalo era o único momento no dia em que ela de fato vivia.
Não podia fazer idéia do que ia acontecer nessa festa. As comunicações entre os dois namorados eram muito maiores do que eu imaginava e numa certa hora desapareceram. Papai logo deu falta. Eu não, porque estava no meio de um iê iê iê com João do rio, meu mais antigo amigo.
Papai surgiu meio pálido de raiva ao nosso lado, me puxou pelo braço e perguntou:
- Onde está sua irmã?
Eu não sabia. Não tinha como saber. Bárbara desapareceu junto com Zezé naquela noite. E continuou desaparecida por mais de uma semana. Só no outro domingo, dia meio chuvoso e triste, que o João do rio apareceu em casa. Agitado, com os olhos no chão, me mandou chamar papai com uma voz de medrar qualquer um. Corri para dentro e papai me mandou ficar por lá. Tinham encontrado minha irmã. Ou o que restava dela.
João tinha saído para pescar. E foi lá na beira do poço que encontrou o corpo de Bárbara. Estava deformado, mas dava para reconhecê-la. Trouxeram-na para a cidade e o velório foi muito concorrido. Todo mundo queria ver o corpo e prestar condolências a papai e mamãe. Todos sentiam muito a morte da moça mais bonita da região.
Quanto a Zezé, esse, nunca mais deu notícias. Desapareceu como se fosse filho do demo. Por causa disso, a gente nunca soube da verdade do acontecido. Mas as pessoas contaram muitas histórias.
Umas diziam que ela tinha descoberto que Zezé era casado, por isso tinha se jogado no rio. Outros que fora ele o assassino, já que nunca mais se soube dele. Alguns tinham histórias mais românticas e falavam que o amor dos dois era como o de Romeu e Julieta e que eles tinham se matado juntos, mas que o corpo de rapaz havia sido levado pela correnteza do rio. Porém, o certo é que minha irmã esse dia esteve nos braços de seu amado. Dançou com ele a noite toda e sumiram-se ambos pelos matos no fundo do quintal.
Se me perguntam dela, digo que viveu pouco, mas morreu de amor, que a melhor causa mortis do mundo.

Plutão está sambando

Plutão está sambando
nos meus subterrâneos
Hora de jogar o lixo pra cima
Os astros brilham como os desejos sublimados
Brincam de me enlouquecer com autocrítica
Aterrorizam de vez as certezas

Plutão está sambando
nos meus subterrâneos
Confie desconfiando na ciência dos astros
As estrelas me negam uma boa vida
Erraram de posição na hora em que vim à luz
E agoram dançam no céu

                            rodopiam as baianas


          do meu destino

                                                                          incerto

         carnavalesco
                                                                      e infeliz

                                   destino

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sinta

sinta esse amor que sussurra dentro de mim
e me percorre e te cobre e me suja
e te lambuza

sinta esse amor que rosna dentro de ti
e se derrama  na minha boca
e voa através de mim

sinta esse amor que escorre por nós
e que nos pertence
irremediavelmente

sinta

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Se


Se você e eu sós
Confusos em nós
Poucos prós
Muitos nós
Por que não nós a sós desatando os nós?

Quando

Quando minha pele
Na tua pele repousar
E se queimar

Quando minha língua
Na tua língua deslizar
E se desmanchar

Quando meu olhar
No teu olhar mergulhar
E se afogar

Quando perdidos em mil labirintos
Os teus e os meus desejos
Desaguarem em mim e
Em ti

Todos os sóis e todas as luas
Que se explodam...
Em nós

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Não quero isso

...
mas não consigo
não esperar
e espero
...
mas não consigo
não desejar
e desejo
...
mas não consigo
não amar
e amo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Somente para ti


Meu olhar
Meu falar
Meu ouvir
Até a minha alma
A minha calma
Esperam-te
Meu segredo
Meu medo
Meu sentir
Até que a minha pele
Se revele
Somente para ti.