sábado, 12 de dezembro de 2009

O primeiro passeio

A primeira vez que ela saiu portão afora vinha arrastada pela coleira. Um medo absoluto do que existia de lá da entrada. Medo do mundo. Do lado de dentro podia demonstrar toda a sua valentia e proteger seu pequeno espaço com dentes e ferocidade evidente. Mas do lado de fora só o desconhecido a aguardava. E aquilo que não conhecia era provavelmente perigoso.
Mesmo assim não podia deixar de ouvir os apelos do ser amado que a puxava e insistia: Vem comigo! Ela olhava com estranhamento para aquele ser que devia ampará-la, amá-la e cuidá-la. Por que está fazendo isso comigo? perguntaria se pudesse. Um pequeno sufocamento a impedia de pensar direito, ela estava sendo arrastada rumo a rua, ou seja, rumo a tudo que antes era interdito. Que poderia fazer a não ser ter pavor de tudo isso?
Uma vez do lado de fora, olhou firme para o seu amor, só nele confiava: Serás o meu guia? Seu amor sorria: Pronto, agora que estamos aqui, vamos! E continuou a arrastá-la que atordoada se via obrigada a segui-lo. Onde vamos? poderia ter perguntado. Mas perguntas inutéis não precisam ser formuladas.
O mundo em volta se transformava: a calçada virara asfalto e mais a frente virara grama. Olhava e cheirava o chão com delícia. Arriscava-se a olhar os carros, e cheia de pavor arriscava-se a olhar também as outras pessoas, e as árvores e os postes e as lojas e as crianças correndo e os ônibus e... Mundo caótico cheio de curiosidades ao longo do caminho.
Em pouco tempo já não era mais necessário arrastá-la. Ela corria feliz ao lado e às vezes a frente do ser amado. O que o fazia sempre que necessário puxá-la de volta para o lugar certo. O vento no rosto, o sol quente queimando a pele, o prazer de mover os músculos para frente, a alegria de estar a passeio com seu amor, não importa se vez em quando ele a atraia de volta em redor de si. Estava ilusoriamente livre.
Livre como nunca estivera antes em toda a vida, e, no entanto, presa, como sempre, àquele que a libertava e prendia ao mesmo tempo. Paradoxos que não lhe passavam pela cabeça, já que não se preocupava com isto. Tudo o que queria agora era passear e ser levada não importando onde. Queria apenas sentir esse sol, esse vento, a mão firme de seu amor mantendo-a junto a si e o coração batendo descompassado dentro do peito pelo caminho.

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