segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Amar o mar

por amar o mar
num certo olhar
perdi o medo
de me afogar

domingo, 29 de novembro de 2009

sem grandes desejos

sem grandes desejos de felicidade própria
decidi doar-me em favor da alegria alheia
e deixei que me escovassem os cabelos
me vestissem um vestido cor de arco-íris
me calçassem sandálias tão altas
me pintassem o rosto numa máscara
e me escondessem
eu em mim perdida
feita outra
e foi assim estranha pessoa
erguida a força as alturas
colorida e lisa
intensamente não eu
que me desdisse
encurralada
a minha
paixão

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Como num diálogo surdo

palavras sem importância trançadas
no aroma rarefeito das ideias
suspensas no vazio
frio
das muitas distâncias

língua
contra
língua

num debate embate
de pouca entrega
e muita luta
molhada de água
que as palavras lava

lava que escorre
de um vulcão
extinto
e surdo
mudo

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

sobre o amor VI

a moça
as mãos
roça
coração
coça
amor é
troça

Pedra


Uma pedra de gelo.
Formas de mulher.
Uma mulher estátua.
Imóvel e impassível.
Aguarda o sopro.
Divino sopro de vida.
Serena e gelada.
Espera secreta luz.
Centelha de fogo.
Sublime supremo calor
...




Suave serena secreta e seca 
Pedra de gelo estátua dura de mulher 
Gelada fria imóvel e impassível 
Espera impossível o supremo sopro 
Sublime divina centelha de fogo 
E gozo de luz e calor que derrete
A estátua que sua nua e crua
Sob a lua luz da rua sua tua.


sábado, 21 de novembro de 2009

vazios suspensos

sobre os vazios suspensos

no ar                                               

voejamos

moscas

soltas

doudas

nada a pensar nem a fazer

voejamos

luz na poeira

doira

sujeira

solta

no ar

sobre os vazios suspensos

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

por isso

desejo paz de espírito

por isso

não me aponte este fuzil

por isso

não me pegue em delito

por isso

querer semi-automático servil

por isso

te evito

vício

terça-feira, 17 de novembro de 2009

testamento

todos
os meus
pedaços
te deixo

minha malfadada herança

roça sem pejo
os teus pelos menos
te oferecendo
te negando
te controlando
com parcimoniosa
selvageria
os fluxos de desejo

por um corpo despedaçado

domingo, 15 de novembro de 2009

Chá


tome um chá
para se acalmar
não fique nervosa
que isso te faz mal
não tire as roupas do armário
fique
nada aconteceu de verdade
foi só nossa imaginação
não te acusamos de má
não queremos que vá
te perseguimos sim
porque é amor
o que sentimos
por favor não fuja
fique
tome um chá
para se acalmar

...

gosto de chá
em belas xícaras
brancas
com pequenos desenhos
flores vermelhas
mansas
em belas xícaras
brancas
gosto de chá
em canecas antigas
esmaltadas
canecas de casa de vó
gosto de chá
adocicado com amor de vó
de voz docinha
dizendo
não fica nervosa
que te faz mal
tome um chá
para se acalmar
fique

sábado, 14 de novembro de 2009

Ondjaki

"as palavras são muito bonitas também porque têm significados cicatrizados nelas"

A bruta

Se este silêncio é seco

Se este olhar é frio

Se esta palavra é áspera

Se tudo isto demonstra monstruosidade

Perdoa

Eu sou mesmo bruta, mas não é maldade.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Mais uma boa experiência de leitura


Comprei A relíquia na rua de um ambulante que estava vendendo livros usados no chão. Encontrei entre tantas inúteis enciclopédias antigas e desatualizadas esse Eça de Queiroz e fiquei feliz em pagar por ele a bagatela de 2 reais. Claro que o vendedor não sabia que eu estava comprando ouro com dinheiro de comprar balinha. Mas tudo bem, nós dois ficamos felizes. Ele porque vendeu e eu porque comprei um bom livro quase de graça.
Conhecia A relíquia de nome por causa do Antonio Candido que sempre citou Eça como um de seus autores portugueses preferidos. Com esse respaldo altivo, levei o romance para casa e mal consegui esperar o momento feliz de abrir suas páginas e começar a leitura. E ele não me decepcionou. É um livro realmente incrível, escrito com toda a ironia possível e muito engraçado.
O protagonista se chama Teodorico Raposo. O moço português fica orfão muito criança ainda e é criado por uma tia muito rica e beata, a Titi. Todos procuram agradar Titi, por conta de sua riqueza e Teodorico não fica atrás. Passa o livro todo vivendo duas vidas: uma diante da tia, de muita devoção e sacrifícios em nome da fé, e outra longe dela, na qual recebe a alcunha de Raposão e é um devasso completamente entregue aos prazeres do mundo. Teodorico espera muito ansiosamente a morte da Titi, pois assim se livrará da vida de devoto e como herdeiro poderá gastar todo o dinheiro da velha nas suas aventuras de rapaz.
O que acontece é que Titi demora a morrer e estando doente resolve enviar o sobrinho Teodorico à terra santa para lhe trazer uma relíquia capaz de melhorar a saúde. O sobrinho vai, exultante diante da tia pela possibilidade de conhecer a terra onde Jesus nasceu, e muito infeliz longe dela já que sua verdadeira vontade era conhecer Paris, terra mais livre onde jovens como ele poderiam conhecer todo o tipo de prazeres e relaxações conhecidos.
A viagem como se pode imaginar é para Raposão uma oportunidade de desfrutar do dinheiro da tia, longe dela. Ele encontra lá os seus prazeres pelo caminho, especialmente com Mary, uma luveira muito bonita, e dela ganha uma camisola como lembrança, guardada com muito carinho e saudades das relaxações experimentadas ao lado dessa moça de braços gordinhos. Ao chegar em Jerusalém percorre-a ao lado de Topsius um companheiro de viagem muito estudado que aí está para estudar a história do rei Herodes. Estranhamente, um dia, ambos acordam nos tempos de Jesus e são testemunhas oculares da condenação e crucificação do rabi. Claro que descobrem os segredos que não estão no novo testamento sobre como o Messias era também devasso e se deitava com todas as mulheres das quais se agradava, e como a ressurreição na verdade era apenas uma tramóia, entre outras revelações bastante estranhas e engraçadas. Uma passagem do livro interessantemente "pós" moderna, já que se trata de uma paródia da história bíblica, contada com muito humor e crítica.
No final, já de volta a seu tempo e a seu Portugal, Teodorico comete um erro fatal para suas ambições de herdeiro. Entrega a Titi a relíquia errada, no lugar da falsa cruz de espinhos que trouxera da terra de Jesus, entrega a camisola de Mary, sua lembrança dos amores mundanos e dos momentos de pecado vividos durante a viagem. Titi fica furiosa e expulsa de casa o sobrinho. Este, deserdado, passa a viver uma vida bem distante da sonhada, mas agora livre da hipocrisia a que se via obrigado anteriormente.
O resumo acima obviamente não faz juz a narrativa de Eça. O autor tem um ritmo de escrita e uma fina ironia que o faz merecer o título de grande mestre da literatura portuguesa. E eu me diverti muito com esta leitura. A crítica à igreja católica e à fé falsa do povo não me passaram despercebidas, mas o que mais me divertiu foi o fato de o livro tratar de maneira tão "pós-modernista" o tema da paródia. É um livro do século XIX, realista, e ainda assim traz elementos muito atuais, e que são tratados como novidade nos dias de hoje. As novidades de hoje são muitas, mas nem sempre são mesmo novidades...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O que fazer?

Quando não há
graça e sentido,
Quando não há
razão e motivo,
Quando não há
nada a dizer
ou sentir,
O que fazer?

Calar-se...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Os mortos

Morrer faz parte da vida,
todo mundo que nasce um dia morre,
ou, muitas vezes, morre antes de nascer,
então, faz parte do problema de viver,
um dia não mais viver, morrer.

Na maior parte do tempo corremos da morte,
vamos ao médico sempre que adoecemos,
tomamos remédio, usamos óculos, passamos creme,
protetor solar, nos alimentamos com cuidado, fazemos exercício,
cuidamos do corpo e do espírito, trabalhamos, descansamos,
tudo para manter a boa saúde e viver mais e melhor.

Mas o fato é que nada disso adianta,
pois um dia chega a dama branca,
com sua foice gelada e nos sorri com dentes perolados,
e, sem outra escolha, nos abandonamos a ela, deixando para trás
toda a família, que tanto amamos, protegemos e conservamos,
também ficam os bens que adquirimos com esforço e suor,
a bela casa, o carro imenso, as roupas de marca, compradas no shopping,
as jóias que usamos tão pouco, com medo dos ladrões.

Nada mais óbvio que a morte, não importa de quê morremos,
O que importa é que esta bela senhora vestida de branco com sua linda e afiada foice,
chega.
Chega sorrindo sempre com seus dentes perolados e não há como fugir desta sina.
Ela está esperando a hora certa, ou incerta, ou talvez nem seja isso,
ela está aqui ao meu lado todo o tempo esperando a sorte ou acaso,
uma doença mais grave que este resfriado, ou um acidente mais ferrado,
ou talvez ela esteja esperando eu me decidir
'corto ou não corto esse pulso direito?'

pois alguns amam mais do que eu essa dama branca,
e morrem mais e melhor do que eu
todos os dias,
às vezes, mais do que nascem,
 morrem...

Mas um dia será O dia, também o meu e dos outros,
não tem tanto drama com dizem, pois afinal, é o final,
aquele que tanto aguardamos no cinema ou no teatro,
quando assistimos um suspense, ou que nos faz saltar as páginas de um livro,
pra saber quem é o bandido e se alguém vai morrer logo, ou se demora ainda,
ou se vai se salvar e o no fim tudo fica bem, se há casamento, e filhos e happy end

Só que na vida real o fim não é agarrar a noiva pelos cabelos e tascar-lhe um profundo beijo,
nem tanto isso, porque este é só o começo, enfim, depois do casamento, e dos filhos, e de tudo o mais que:
Mais que tudo, o fim é quando finalmente se morre,
porque só depois disso é que as pessoas dizem
"esse era um bom sujeito"
ou dizem, "vaso ruim um dia quebra",
mas dizem tudo isso porque era razoável que um dia todos morrem.