quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Antônia

Antônia tinha pouco mais de treze anos. Estava sentada tranquila, olhando a água correr aos seus pés na beira do rio das almas. Tinha nadado até ficar cansada, os braços ardidos do esforço, o estômago roncando de fome, mas ainda faltava um pouco para a hora do almoço.

Naquela época, ninguém usava roupa de banho para entrar na água. Pelo menos não aqui nesse pedaço de fim de mundo, escondido numa curva. A gente estava andando na rua de repente sentia calor e entrava de roupa e tudo no rio.

Antônia tinha brincado com os outros meninos e meninas por ali. Tinha corrido, gritado, jogado bola, dependurado nas árvores, roubado goiaba nos quintais e se lançado na água do rio, junto com os outros.

O vestido de Antônia era claro, mas isso nunca tinha feito diferença até então. Os meninos se sentaram em volta dela e as meninas olhavam de longe. Eles e elas observavam Antônia e percebiam que ela já não era a mesma de sempre. As roupas grudadas no corpo revelavam formas rebentando na menina.

As meninas moviam-se aos pulos com risinhos de inveja. Os meninos, como que encantados, pareciam moscas em volta da fruta madura. Voejavam em torno de Antônia atraídos como ímãs capturados num campo magnético. Eles descobriam dentro de si um ardor estranho que ainda não tinha nome. Elas ardiam também, mas de um sentimento diferente.

Antônia via a água correr lambendo seus pés, pensava no estômago corroendo e no almoço cada vez mais próximo. Até que uma das meninas, no auge da malícia, gritou:  Antônia tá parecendo uma vaca de tão peituda!

Todas as crianças se alvoroçaram. Os meninos e as meninas gritaram em coro: Antônia peituda! A menina  olhou-se e viu-se como que pela primeira vez na vida. O vestido molhado revelava o corpo em broto de flor, desabrochando. Lágrimas quentes escorreram dos seus olhos.

De repente estava exposta na rua como uma qualquer. Correu para casa humilhada  pelo bando de meninos e meninas que riam dela. Jogou-se na cama em seu quarto e chorou até a vontade de chorar passar. Enfim, ainda em soluços, levantou-se. Diante do espelho,  admirou-se do que via, tirou o vestido molhado e, assim sem roupa, os olhos ainda ardendo do calor das lágrimas, sorriu. Encheu-se de uma felicidade desconhecida: era moça! Como não tinha percebido antes? Finalmente tinha crescido. Sim! Era moça!

Não importa o que os outros disseram e muito menos se importava de ser peituda. Olhava orgulhosa para os seios redondos no espelho, e resolvia: Já virei moça, não posso mais andar em folguedos de crianças.

 Antônia nunca mais brincou. Deu seus brinquedos e bonecas para as irmãs mais novas. Também não falou mais com seus antigos companheiros. Estes agora observavam a moça de longe. Os meninos de coração  nos olhos e nas pernas bonitas, nos seios volumosos, no leve balançar de quadris, em tudo que era Antônia, e eles demoraram tanto a reparar. E as meninas, muito despeitadas, deitaram a língua a falar mal dela.

Antônia passava calmamente pelas ruas. Agora estava do lado de lá da vida, tão perto e tão distante. Tão menina e tão adulta. Menina e moça no mesmo dia.

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