sábado, 23 de janeiro de 2010

Ela

Ela já não sorri como antes. Olha-se calmamente no espelho e do lado de lá outra estranha pessoa lhe devolve com insistência o mesmo olhar.
Ela já não sente suas extremidades como antes. Seu contorno exposto e alheio a si mesmo. Como se nunca tivesse sido e como se ressoasse de acordo com a música do campo em que se espraia.
Ela já não espera ser como antes. O nada supera a vontade de ser. O nada atrai como a lâmpada atrai a borboleta feia. O nada vazio da negação eterna de alguém que é sem ser.
Ela já não deseja como antes. O desejo escorreu como escorre o sumo da fruta recém mordida da boca que morde para ter prazer e causar dor.
Ela já não se esconde como antes. Mas não revela o que mais importa que é a imutável desvontade de metamorfosear-se em criatura nova e desprezível.
Ela já não ama como antes. Desde que o amor tornou-se tão solidamente palpável que pode enfim ser atirado como pedra na parede de casa.
Ela já não respira como antes.
Ela já não suspira como antes.
Ela já não vive como antes.

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