Tem hora que pulam umas memórias na
cabeça da gente de coisas e pessoas que há muitos anos nem pensava mais. Ontem,
fui deitar no horário de sempre depois de ter feito as mesmas coisas de sempre,
mas foi só botar a cabeça no travesseiro que apareceu um rapaz na minha cabeça
de quem não lembrava há séculos.
Esse moço, que nunca mais vi,
trabalhava comigo numa escola municipal de Goiânia. Não lembro o nome dele, mas
vou chamá-lo de Hugo. Hugo era professor de biologia, fazia mestrado na época e
era uma figura bem alternativa. Sempre usava camisetas de estampa indiana,
calças diferentes e chinelos, sandálias, nunca tênis ou sapatos fechados. Os
cabelos estavam raspados em quase toda a cabeça, exceto na nuca, na qual havia
uma mexa mais longa. Usava uma barbicha comprida também. A voz era rouca, com
um sorrisinho sacana sempre nos lábios, altura mediana, Hugo chamava atenção de
todos os jeitos, tanto pela extravagância quanto pela beleza mesmo.
Ele fazia o gênero descolado,
engraçado, mas também era inteligente e sedutor quando queria. Nós éramos os
professores mais jovens do turno noturno naquela escola. Nos aproximaríamos de
qualquer jeito, não só por esse motivo, mas pela própria dinâmica do ambiente
ali. Tínhamos poucas salas de aula e cumpríamos 30 horas semanais de trabalho.
A quantidade de aulas era pouca, por isso passávamos a maior parte do tempo na
sala dos professores em atividades de planejamento e estudo. Hugo geralmente se
sentava ao meu lado.
Ele conseguiu me convencer a fazer
algumas traduções para ajudá-lo nas pesquisas do mestrado e se sentava junto
comigo para ir acompanhando o meu trabalho, pois eu sempre precisava de ajuda
em relação a termos muito técnicos. Logo, as segundas intenções dele ficaram
bem claras...
Hugo não só se sentava ao meu lado, a
perna dele se sentava colada na minha e os pezinhos do sujeito iam parar em
cima dos meus. Confesso que apesar de achar tudo isso meio estranho, ficava bem
chameguenta ali com ele encostadinho e de pezinho dado comigo debaixo da mesa.
Ai, como eu queria que a gente não estivesse no ambiente de trabalho!
Era divertido! Bem divertido mesmo! A
gente ficava ali brincando com o fogo dentro da gente, a mesa pouco escondendo os
desejos que surgiam da cintura pra baixo e da cintura pra cima a cara de
paisagem no trabalho sério de traduzir textos técnicos que descreviam como
analisar a qualidade da água. E eu me derretendo de vontade de beijar o
professor, mestrando de biologia, bicho grilo esquisitão...
O dia mais sério foi o de uma
apresentação, não lembro de qual data comemorativa, os alunos fizeram um teatro
ou coisa assim e os professores foram assistir, e o tal Hugo ficou em pé bem
próximo de mim... Eu queria tanto me abraçar com ele e não podia que quase
perdi as forças das pernas. Acho que ele sentiu algo parecido, porque me chamou
pra sair, ir num show que estava acontecendo num bairro próximo. Nós dois sabíamos que
se saíssemos dali juntos não haveria volta.
E eu respondi que não. Não podia. Por
que eu fiz isso? Hugo era noivo. Falava da noiva com frequência. Todos sabiam
desse noivado. E eu tinha um rolo. Um outro professor de outra escola que eu
trabalhava. Nessa época, estava bem ferrenha num código de ética recém criado
por mim: não ficar com dois homens ao mesmo tempo. Achava que assim não tinha
perigo de me machucar demais.
Ainda dá tempo de se arrepender? O que
teria acontecido se eu tivesse dito sim? O desejo que aquele homem me provocou,
nunca outro fez igual. Era um desejo derretido de lava quente, mas também era
engraçado e divertido, por causa da pouca seriedade e da total impossibilidade
de levar isso pra frente.
Pouco tempo depois o contrato do Hugo
acabou e ele foi substituído por uma moça, professora de biologia, uma gaúcha hilária. A tentação
foi-se embora. E só ficou essa lembrança gostosa de ter sentido uma paixonite
bem aguda, porém sem grandes consequências. Sobrou também aqui uma saudade danada de dar o pé
pra alguém por debaixo da mesa...
Nenhum comentário:
Postar um comentário