Um vazio profundo, portanto, se estiver procurando algo, pule para o próximo blog.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Animal
espreita e espera
sem descanso
o que ele quer?
esta carne
que ele ataca
que ele arranha
que ele odeia
que ele ama
deseja destruição
dilacera
devora
delicia
e se alimenta
de mim
esta carne
deprezada e desejada
amada e odiada
carne podre
meu cadáver
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Lago Azul
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Palavra
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Perfume
de uma ferida
Escorre gotejante
pelos poros puros
Um cheiro triste
silencioso olor
sabor de morte
Carniça
sábado, 24 de outubro de 2009
Meditação transcendental
é difícil
mas
como eu quereria
parar de pensar
por um só instante
parar
de
pensar.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Ser mulher
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Eu não sei o porquê...
Por que essa sensação de absurdo, se ainda não há erro?
Por que essa vontade de não ser, se nunca fui de fato?
sábado, 17 de outubro de 2009
Em comemoração ao dia dos professores
São muitas as preocupações que atormentam aquela cabecinha. Ele me contou que tem três irmãos. Um mais velho e dois mais novos. Moram com a mãe, do pai nem uma palavra, também não perguntei. No dia em que conversamos, Rondney (é esse o nome dele) estava fazendo prova de inglês reclamando que não teve tempo de estudar. Por quê?
_Tive que levar meus irmãos no dentista_ respondeu sério.
_Disse, mas ela ia lavar roupa.
_Aquele lá ninguém entende. Ele quer ser mala. Para ele, meus irmãos são um peso. Eu que tenho de tomar conta deles.
Coitadinho. Tão novinho e já entendendo tanto do mundo. Com tanto peso no peito e nos olhos. Uma experiência incrível olhar nos olhos de um menino adulto. Não há leveza, nem brilho nesse olhar. Pelo contrário, o rosto dele é uma aberração. Demonstra um sofrimento, um cansaço, muito incomum.
Algumas mulheres mereciam nascer secas. Fertilidade para elas é inútil, pois põem no mundo pequenos sofredores. Crianças tristes, para quem até a esperança surge no horizonte como utopia: distante e inalcançável.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Entre dois mundos
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Ela vai morrer de câncer
Ela vai morrer de câncer e isso é fato. Todo mundo sabe disso e observa como a cada dia ela parece mais fraca. Dizem que as mulheres que são traídas pelos maridos sempre desenvolvem um tipo de câncer. É o câncer das corneadas, um câncer que mistura tristeza e frustração. E pode até ser verdade já que o primeiro marido dela era mesmo um murelhengo. Tanto que todo mundo diz que ele morreu de ataque fulminante do coração enquanto transava com uma mulher vinte anos mais nova. Deve ter sido muito constrangedor para a jovem ter de chamar a funerária no motel.
Mas o fato é que ela vai morrer de câncer, não importa se por causa das muitas vezes que foi traída pelo seu primeiro marido. Primeiro, porque depois desse, ela se casou novamente. Dessa vez, o homem era sério e pareceu gostar dela, em especial pelo simples motivo de ter ficado viúvo e com dois filhos para acabar de criar: um deles ainda adolescente e o outro portador de necessidades especiais. Como ele ia cuidar de suas fazendas e suas muitas cabeças de gado, tendo que cuidar da casa e dos filhos? Ele necessitava de uma mulher para tomar conta dessas coisas práticas: a limpeza da casa, a comida, a roupa que precisava ser lavada e passada, e, ainda, os filhos... Ela aceitou o casamento e todo mundo disse que foi por causa do dinheiro. Ninguém pensou que ela talvez não quisesse ficar sozinha, sem marido, desempregada e com duas filhas desamparadas. Ninguém pensou que talvez a solidão e a rejeição do primeiro marido a tivessem feito valorizar a possibilidade de ser escolhida por um homem que, sendo rico, poderia ter escolhida qualquer outra.
E agora ela vai morrer de câncer. Não importa mais se o atual marido tem dinheiro, nem importa se ela deu o famoso golpe do baú, e muito menos todos os anos que ela teve de agüentar a maledicência de todo mundo. Ela que todo mundo tinha como a chifruda que conseguiu dar a volta por cima, casando de novo com um homem de posses, na verdade é uma mulher simples. A vida inteira cuidou de tudo e todos. Era ela quem curava as bebedeiras do primeiro marido, quem protegia as filhas da violência paterna. Era ela quem, um dia viúva, levantou a cabeça e olhou para o lado procurando outros a quem pudesse cuidar. E, sim, ela encontrou outro homem que precisava dela. E cuidou dele. Cuidou também dos filhos dele, do adolescente e do deficiente. Não reclamou de nada. Cuidou de todos com muito e verdadeiro amor.
E vai morrer de câncer. Sob os olhos de todo mundo, isso é fato. Vai morrer, e será que agora que o fim está próximo, alguém vai cuidar dela?
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Língua negra
que no dentro no meu dentro
do meu centro que no centro
me fere a pele língua negra
domingo, 11 de outubro de 2009
Sol
Hoje amanheci mais cedo
lavei os olhos no orvalho da madrugada
respirei uma umidade impregnada de dedos
me preparei para estar todo o dia ensolarada
Nada no ardor do corpo ruído
a dar braçadas através do astro rei
tingir pele e pelos de amargo amarelecido
sol
sábado, 10 de outubro de 2009
Sobre o amor V
Olhos repousam repulsivos nas retinas
Sorrisos desmontam-se de encontro a lábios
Corações debatem-se dentro do peito
Centros incandescentes a ferver os miolos
Almas que invejam os corpos doentes de amor
Que se entendem...
Que se entendem...
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Diálogo entre duas moças que vão morrer*
- Mas todos nós vamos...
-Você não entende: eu estou muito doente, meus ossos são de vidro quebradiço, minha pele se liquefaz ao contato do ar, todo meu corpo desafia a possibilidade de vida...
- Você não é diferente de ninguém. Vai morrer agora ou daqui alguns dias ou daqui alguns anos... Todo mundo é assim...
- Só que eu estou desenganada, os médicos não sabem o porquê de eu ainda estar aqui. Vou morrer, de fato, como todo mundo, mas diferente dos outros, sei que não tenho muito tempo nessa vida, compreende agora?
- Sim, entendo o que você quer dizer. Mas não é tão ruim assim. Você não pode fazer planos para o futuro, porque sabe que ele não existe. Nós, que vamos morrer e não sabemos quando, ficamos construindo planos que talvez nunca se realizarão.
- Não é isso... você ainda não entendeu, a minha vida acabou, eu estou no fim... tenho o direito de estar desesperada!
- É... e você está desesperada?
- Não.
- Todos sabemos que vamos morrer. E lutamos ardentemente pela vida afora... E tentamos viver cada vez mais e melhor. Mas viver é mais complicado quando se tem um futuro. Como você só tem o presente não precisa se preocupar com o que há de vir. O que há de vir não é pra você sofrimento, porque sofrimento é só o presente...
- Eu morro e vocês ficam vivendo sem mim. Me sinto muito sozinha... eu vou e todo mundo fica...
- É verdade... mas também pode ser que eu morra antes de você. Quem sabe? Daí, você fica sozinha em vida. Parece que se pode prever o dia da sua morte, mas não se pode prever o meu... porque eu tenho saúde e posso morrer antes de você que não tem.
- Eu sei. Mas não devia estar desesperada? Não devia estar chorando e sofrendo por não ter futuro a minha espera? Eu não vou fazer um monte de coisas que você pode fazer: não vou estudar nem trabalhar, não vou casar nem ter filhos... eu nem posso me apaixonar, porque vou morrer. Eu não tenho esperança...
- Nem eu...
*baseado em fatos reais
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Diabólico, o demônio...
Diabólico, o demônio me sorri sedutor. Da forma mais delicada me oferece o irresistível: a mais crua felicidade que nunca tive. E destrói minhas defesas com muito cuidado.
Diabólico, o demônio quer a minha harmonia na terra. Quer que desfrute de todas as delícias do corpo. Quer me ver, delirante e cega de amor, arquejar no entorpecimento do gozo.
Diabólico, o demônio me quer como nunca ninguém me quis. Serpenteia a minha volta e me deseja com olhos dengosos e fala galante.
Diabólico, o demônio me ama, como Deus nunca amou... Me toma nos braços e afaga e promete prazeres sem fim.
Diabólico, o demônio incendeia minha pele. E é para mim que prepara com carinho intenso a minha vaga no caldeirão do inferno.
domingo, 4 de outubro de 2009
Aurora
Voa de encontro à lua
Espalhando espanto e horror
Um grito escuro
Atravessa a madrugada
Alargando as distâncias
A dor clareia o horizonte
Tingido de rubro sangue
Mais um dia nasce comum e solitário
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Vertigem
A cada passo encontro o desequilíbrio.
O mundo se abre aos meus pés.
A cabeça gira em torno de si mesma.
Não há pensamento.
Não há lógica no ilógico de uma tonteira.
Meu amor me engole de volta na naúsea de não ser.
Não é vômito puro e simples.
É ânsia.
Ansiedade.
Os problemas dos outros me matam.
Os meus próprios problemas me salvam.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
O oco
Muitas vezes ele é físico. E eu consigo senti-lo entre os meus dedos. Fundo que não tem fim. Sem nenhum tipo de carne em volta, só pele que não se rasga. Meu buraco no meio das costelas que se abrem em oco.
Outras vezes ele não é físico. Eu não consigo senti-lo com os dedos, mas sim com o sentimento. Surge um profundo oco à minha frente. Um verdadeiro abismo que não se vê com os olhos, mas, igualmente, amedronta e dá vertigem. E esse abismo me provoca tanto que dá vontade de procurar um outro abismo. Abismo de verdade. Daqueles que não se enxerga o fundo. Mas todo mundo sabe que existe fundo. Basta querer experimentá-lo. Então, essa vontade enorme vem de experimentar o abismo real para sentir se lá há fundo.
É vontade de voar também, mas é principalmente vontade de cair. Pois é na queda que se tem o verdadeiro encanto. Sabe-se que a queda pode ser fatal, mas quem se importa com isso? O que eu quero é cair.
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