quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ela vai morrer de câncer

Ela vai morrer de câncer e isso é fato. Todo mundo sabe disso e observa como a cada dia ela parece mais fraca. Dizem que as mulheres que são traídas pelos maridos sempre desenvolvem um tipo de câncer. É o câncer das corneadas, um câncer que mistura tristeza e frustração. E pode até ser verdade já que o primeiro marido dela era mesmo um murelhengo. Tanto que todo mundo diz que ele morreu de ataque fulminante do coração enquanto transava com uma mulher vinte anos mais nova. Deve ter sido muito constrangedor para a jovem ter de chamar a funerária no motel.

Mas o fato é que ela vai morrer de câncer, não importa se por causa das muitas vezes que foi traída pelo seu primeiro marido. Primeiro, porque depois desse, ela se casou novamente. Dessa vez, o homem era sério e pareceu gostar dela, em especial pelo simples motivo de ter ficado viúvo e com dois filhos para acabar de criar: um deles ainda adolescente e o outro portador de necessidades especiais. Como ele ia cuidar de suas fazendas e suas muitas cabeças de gado, tendo que cuidar da casa e dos filhos? Ele necessitava de uma mulher para tomar conta dessas coisas práticas: a limpeza da casa, a comida, a roupa que precisava ser lavada e passada, e, ainda, os filhos... Ela aceitou o casamento e todo mundo disse que foi por causa do dinheiro. Ninguém pensou que ela talvez não quisesse ficar sozinha, sem marido, desempregada e com duas filhas desamparadas. Ninguém pensou que talvez a solidão e a rejeição do primeiro marido a tivessem feito valorizar a possibilidade de ser escolhida por um homem que, sendo rico, poderia ter escolhida qualquer outra.

E agora ela vai morrer de câncer. Não importa mais se o atual marido tem dinheiro, nem importa se ela deu o famoso golpe do baú, e muito menos todos os anos que ela teve de agüentar a maledicência de todo mundo. Ela que todo mundo tinha como a chifruda que conseguiu dar a volta por cima, casando de novo com um homem de posses, na verdade é uma mulher simples. A vida inteira cuidou de tudo e todos. Era ela quem curava as bebedeiras do primeiro marido, quem protegia as filhas da violência paterna. Era ela quem, um dia viúva, levantou a cabeça e olhou para o lado procurando outros a quem pudesse cuidar. E, sim, ela encontrou outro homem que precisava dela. E cuidou dele. Cuidou também dos filhos dele, do adolescente e do deficiente. Não reclamou de nada. Cuidou de todos com muito e verdadeiro amor.

E vai morrer de câncer. Sob os olhos de todo mundo, isso é fato. Vai morrer, e será que agora que o fim está próximo, alguém vai cuidar dela?

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