quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Entre dois mundos

A sociedade contemporânea tem na atualidade uma complexidade a resolver. Estamos situados num entre lugar que é difícil de definir. Este entre lugar é aquele que não é real e nem virtual. As novas tecnologias nos colocaram numa desconfortável posição, ou seja, estamos agora ou off line ou on line. Não podemos mais nos colocar diante do mundo sem conhecer a realidade virtual que a internet nos apresenta. O que parece por um determinado ângulo uma contradição, real versus virtual, se coloca para nós como a única realidade indiscutível. Dentro da interação que nos é imposta por nossa condição de seres sociais por natureza, as formas mais modernas de comunicação e troca de conhecimentos se impõe como regra na virtualidade.
Não podemos mais negar essa relação do homem com a tecnologia e será difícil resolver as questões que surgem agora sem um novo aparato teórico que nos apóie. As teorias que se referiam ao mundo moderno industrial e pós-industrial já não conseguem mais explicar o mundo da cibercultura. As relações interpessoais ocorrem independentemente do contato físico entre os indivíduos. Há a radicalização do intercâmbio de informações que não estão necessariamente presas a determinados grupos de interesse, devido à infinita possibilidade de divulgar e adquirir conhecimento que a rede proporciona a seus usuários. Há também uma verdadeira revolução cultural em trânsito cada vez mais difícil de ignorar: as artes encontraram na rede um espaço enorme de divulgação e de realização.
A nosso ver, o ciberespaço tornou-se não só um sítio de comunicação radical, mas também um local de apresentação, representação e criação artística de maneira independente. Neste espaço os produtores de cultura podem criar usando os novos recursos de linguagem que a tecnologia permite e divulgar sem o intermédio da indústria. Desfrutamos então de uma liberdade impensada séculos a atrás: finalmente a possibilidade de chegar ao público de maneira direta e quase em tempo real. Entre a criação e a divulgação não há mais tempo de espera. O produtor e o receptor estão navegando no mesmo espaço e de maneira concomitante, trocando experiências e alterando a arte com a sua possibilidade real de diálogo entre as partes. O produtor/autor/artista não espera pelo feedback do receptor/expectador/leitor porque essa resposta é imediata.
Dentro das possibilidades infinitas de produção artística que permeiam a rede de computadores escolhemos como objeto de reflexão a literatura e, mais especificamente, a poesia que se tem proliferado como rastilho de pólvora nesse mundo virtual. A poesia é uma maneira de radicalizar as possibilidades de a linguagem funcionar e alterar o mundo real. Tendo isso em vista, a radicalização da linguagem tende a ser muito maior no mundo virtual. Encontrar comunidades virtuais que tem como objetivo a leitura e análise de poetas consagrados não é difícil. Assim como é também muito fácil encontrar a poesia de dezenas de milhares de escritores canônicos em páginas e mais páginas oficiais ou não. Mas aqui nos interessa observar essa nova literatura de jovens autores que estão criando e publicando na internet. É impossível não observar a imensa quantidade de páginas pessoais, os chamados blogs, nos quais qualquer um pode escrever e publicar suas opiniões, pensamentos e produções literárias ou pseudo-literárias na rede. Entre estes blogs, contudo, encontramos a produção de novos poetas que apesar desse recurso incrível da interatividade correm o risco de cair para sempre no anonimato, perdidos no meio da “blogosfera”. Blogs de bons escritores se misturam a dezenas de milhares de blogs que na verdade não passam de diários virtuais.
Separar o joio do trigo é função da crítica. Talvez a crítica encontre o seu verdadeiro fundamento como produção de conhecimento que ampare a divulgação de novos autores, com base na possibilidade de definir quem realmente está produzindo literatura de alta qualidade e quem está apenas dando o testemunho de seu tempo, através da infinidade de diários que pululam na rede. Encontrar meios para fazer essa separação deve ser objetivo dos pensadores nossos contemporâneos. Como fazer para identificar no meio de tantos, um que valha a pena seguir para a posteridade? Uma primeira hipótese seria procurar aqueles que não apenas repetem o que a tradição deixou como legado e que estejam realmente criando novas formas de dizer e problematizar o mundo. E principalmente procurar aqueles que usam a nova linguagem da web para refletir sobre esse entre lugar. Reproduzir conhecimento antigo não é errado, errado é insistir nessa reprodução infinitamente. Criar novo conhecimento a partir do velho é que é interessante na atualidade, pensar sobre esse novo modo de agir e interagir no mundo é muito mais produtivo. É o que fará a diferença entre os tantos autores que surgem. Abusar dos recursos das novas tecnologias é estar no limiar de uma nova linguagem, dentro da virtualidade que as interações ciberespaciais permitem, diferencia o que ficará e o que passará sem deixar vestígios. A crítica precisa encontrar também a linguagem que permitirá o reconhecimento desses autores, com isto, retirá-los do anonimato, para que sejam visualizados fora de seu reduto de amigos e seguidores. Os escritores da era digital precisam de apoio desse apoio técnico ou desaparecerão engolidos pelo mar de blogs que não trazem nenhuma inovação para a linguagem literária.

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