sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Animal

ele está lá
espreita e espera
sem descanso

o que ele quer?

esta carne
que ele ataca
que ele arranha
que ele odeia
que ele ama

deseja destruição
dilacera
devora
delicia

e se alimenta
de mim

esta carne
deprezada e desejada
amada e odiada
carne podre
meu cadáver

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Lago Azul



Lago de São Simão


Amanhecer
todos os dias
amanhece
mas
raramente
a gente
amanhece
azul
ondulante
azul
deslizante
azul
cortante
azul
mareante
azul

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Palavra

doce e delicada

ela despe
 e pede
ela chora
e  implora
ela úmida
e soa muda
ela cicia
 e delicia
ela  a  pa
lavra

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Perfume

Brota do interior
de uma ferida
Escorre gotejante
pelos poros puros
Um cheiro triste
silencioso olor
sabor de morte

Carniça

sábado, 24 de outubro de 2009

Meditação transcendental

 parar de pensar

     é difícil

mas

como eu quereria

        parar de pensar

por um só instante

parar
        de
             pensar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ser mulher

   Uma experiência interessante é tentar analisar as mulheres nos dias de hoje. Ser mulher atualmente é bem diferente de como era na primeira metadade do século XX. Se antes parecia destino certo para todas o casamento e a maternidade, e quem fugia disto era considerada uma verdadeira pária, um ser basicamente marginal, visto ora com receio ora com desprezo, agora já não é mais assim.
   As mulheres podem escolher mais os seus próprios caminhos. Podem estudar e seguir uma carreira profissional, e decidir se querem casar ou não, ter filhos ou não, morar sozinhas ou acompanhadas, ter um companheiro fixo ou ter vários, etc. Já não é tão rígido o olhar sobre a mulher sozinha e nem a mulher casada goza de uma posição privilegiada como antes. A maternidade, apesar de continuar sendo cobrada, afinal "uma mulher só sente realizada quando é mãe" (segundo alguns), não é impossível que uma profissional de sucesso abdique de ser mãe em prol da carreira. Isso já não é consideradao como um pecado mortal.
   Parece que, enfim, as feministas venceram. Nós estamos num momento em que somos de fato consideradas com um valor semelhante ao valor do homem dentro da sociedade. Todavia, parecer não é ser realmente. Podemos começar a duvidar desses ganhos femininos a partir do momento que observamos a relação das mulheres com o próprio corpo. Muitas mulheres têm se mutilado periodicamente em cirurgias plásticas, têm se privado de alimento e morrido de inanição pelo fato de precisar apresentar uma magreza exagerada para ser considerada bonita, têm experimentado a maravilhosa sensação de colocar formol nos cabelos para fazê-los lisos... e isso são só alguns exemplos.
   Essa maneira de encarar o corpo como um inimigo a ser dominado, domado e modificado, tem como objetivo torná-lo cada vez mais perfeito. E isto tanto pode ser para atrair o sexo oposto, ou seja, transformar o corpo num objeto sexual, como também pode ser para demonstrar poder. As mulheres realmente poderosas conseguem até mesmo dominar a natureza e impedir seus frágeis corpos de envelhecer. É um mundo de aberração este nosso. Mulheres agora são de plástico, todas nós bonecas de plástico, Barbies gigantes... Se por um lado alcançamos uma liberdade nunca antes experimentada, por outro estamos cada vez mais presas. As mulheres por enquanto continuam vítimas de uma perversão: o olhar do outro machuca mais a elas que aos homens. Sempre.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Dramaturgia

Talvez
eu me
mate
antes
do
fim.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eu não sei o porquê...

Por que esse cansaço estranho, se até agora não fiz nada?
Por que essa sensação de absurdo, se ainda não há erro?
Por que essa vontade de não ser, se nunca fui de fato?

sábado, 17 de outubro de 2009

Em comemoração ao dia dos professores


A vida não é fácil para ninguém, é verdade. Mas ainda assim corta o coração ver uma criança ter responsabilidades de um adulto. Outro dia encontrei um menino assim. Ele é sisudo como só um pai de família deveria ser. Um rapazinho miúdo e de óculos que nunca sorri. Na escola, ele senta na primeira carteira, não conversa, e presta bastante atenção na aula. Às vezes faz umas caretas, parece não estar bem, mas eu acho que na verdade deve ser dificuldade de entender o que está sendo dito.
São muitas as preocupações que atormentam aquela cabecinha. Ele me contou que tem três irmãos. Um mais velho e dois mais novos. Moram com a mãe, do pai nem uma palavra, também não perguntei. No dia em que conversamos, Rondney (é esse o nome dele) estava fazendo prova de inglês reclamando que não teve tempo de estudar. Por quê?
_Tive que levar meus irmãos no dentista_ respondeu sério.
_E a sua mãe? Você não disse a ela que precisava estudar?
_Disse, mas ela ia lavar roupa.
Lavar roupa! Veja: Rondney é um menino minúsculo, parece até um boneco de tão pequeno. Ele diz que tem doze anos, mas não aparenta nem dez. Mesmo assim ele pode pegar os dois irmãos caçulas e levar ao dentista, para ajudar a mãe que além de estar ocupada ainda paga a passagem do ônibus. Ele não paga, é muito pequeno. E seu irmão mais velho?
_Aquele lá ninguém entende. Ele quer ser mala. Para ele, meus irmãos são um peso. Eu que tenho de tomar conta deles.
Coitadinho. Tão novinho e já entendendo tanto do mundo. Com tanto peso no peito e nos olhos. Uma experiência incrível olhar nos olhos de um menino adulto. Não há leveza, nem brilho nesse olhar. Pelo contrário, o rosto dele é uma aberração. Demonstra um sofrimento, um cansaço, muito incomum.
Algumas mulheres mereciam nascer secas. Fertilidade para elas é inútil, pois põem no mundo pequenos sofredores. Crianças tristes, para quem até a esperança surge no horizonte como utopia: distante e inalcançável.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Entre dois mundos

A sociedade contemporânea tem na atualidade uma complexidade a resolver. Estamos situados num entre lugar que é difícil de definir. Este entre lugar é aquele que não é real e nem virtual. As novas tecnologias nos colocaram numa desconfortável posição, ou seja, estamos agora ou off line ou on line. Não podemos mais nos colocar diante do mundo sem conhecer a realidade virtual que a internet nos apresenta. O que parece por um determinado ângulo uma contradição, real versus virtual, se coloca para nós como a única realidade indiscutível. Dentro da interação que nos é imposta por nossa condição de seres sociais por natureza, as formas mais modernas de comunicação e troca de conhecimentos se impõe como regra na virtualidade.
Não podemos mais negar essa relação do homem com a tecnologia e será difícil resolver as questões que surgem agora sem um novo aparato teórico que nos apóie. As teorias que se referiam ao mundo moderno industrial e pós-industrial já não conseguem mais explicar o mundo da cibercultura. As relações interpessoais ocorrem independentemente do contato físico entre os indivíduos. Há a radicalização do intercâmbio de informações que não estão necessariamente presas a determinados grupos de interesse, devido à infinita possibilidade de divulgar e adquirir conhecimento que a rede proporciona a seus usuários. Há também uma verdadeira revolução cultural em trânsito cada vez mais difícil de ignorar: as artes encontraram na rede um espaço enorme de divulgação e de realização.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ela vai morrer de câncer

Ela vai morrer de câncer e isso é fato. Todo mundo sabe disso e observa como a cada dia ela parece mais fraca. Dizem que as mulheres que são traídas pelos maridos sempre desenvolvem um tipo de câncer. É o câncer das corneadas, um câncer que mistura tristeza e frustração. E pode até ser verdade já que o primeiro marido dela era mesmo um murelhengo. Tanto que todo mundo diz que ele morreu de ataque fulminante do coração enquanto transava com uma mulher vinte anos mais nova. Deve ter sido muito constrangedor para a jovem ter de chamar a funerária no motel.

Mas o fato é que ela vai morrer de câncer, não importa se por causa das muitas vezes que foi traída pelo seu primeiro marido. Primeiro, porque depois desse, ela se casou novamente. Dessa vez, o homem era sério e pareceu gostar dela, em especial pelo simples motivo de ter ficado viúvo e com dois filhos para acabar de criar: um deles ainda adolescente e o outro portador de necessidades especiais. Como ele ia cuidar de suas fazendas e suas muitas cabeças de gado, tendo que cuidar da casa e dos filhos? Ele necessitava de uma mulher para tomar conta dessas coisas práticas: a limpeza da casa, a comida, a roupa que precisava ser lavada e passada, e, ainda, os filhos... Ela aceitou o casamento e todo mundo disse que foi por causa do dinheiro. Ninguém pensou que ela talvez não quisesse ficar sozinha, sem marido, desempregada e com duas filhas desamparadas. Ninguém pensou que talvez a solidão e a rejeição do primeiro marido a tivessem feito valorizar a possibilidade de ser escolhida por um homem que, sendo rico, poderia ter escolhida qualquer outra.

E agora ela vai morrer de câncer. Não importa mais se o atual marido tem dinheiro, nem importa se ela deu o famoso golpe do baú, e muito menos todos os anos que ela teve de agüentar a maledicência de todo mundo. Ela que todo mundo tinha como a chifruda que conseguiu dar a volta por cima, casando de novo com um homem de posses, na verdade é uma mulher simples. A vida inteira cuidou de tudo e todos. Era ela quem curava as bebedeiras do primeiro marido, quem protegia as filhas da violência paterna. Era ela quem, um dia viúva, levantou a cabeça e olhou para o lado procurando outros a quem pudesse cuidar. E, sim, ela encontrou outro homem que precisava dela. E cuidou dele. Cuidou também dos filhos dele, do adolescente e do deficiente. Não reclamou de nada. Cuidou de todos com muito e verdadeiro amor.

E vai morrer de câncer. Sob os olhos de todo mundo, isso é fato. Vai morrer, e será que agora que o fim está próximo, alguém vai cuidar dela?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Língua negra

língua negra
a pele me fere
que no dentro
no meu dentro
do meu centro
que no centro
me fere a pele
língua negra

domingo, 11 de outubro de 2009

Sol

sol

Hoje amanheci mais cedo

lavei os olhos no orvalho da madrugada
respirei uma umidade impregnada de dedos
me preparei para estar todo o dia ensolarada
sol
sol
Hoje pretendo me alimentar de luz e serei
Nada no ardor do corpo ruído
a dar braçadas através do astro rei
tingir pele e pelos de amargo amarelecido

sol

sábado, 10 de outubro de 2009

Sobre o amor V

Olhos repousam repulsivos nas retinas

Sorrisos desmontam-se de encontro a lábios

Corações debatem-se dentro do peito

Centros incandescentes a ferver os miolos

Almas que invejam os corpos doentes de amor

Que se entendem...

Que se entendem...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Diálogo entre duas moças que vão morrer*

- Então é isso: eu vou morrer.
- Mas todos nós vamos...
-Você não entende: eu estou muito doente, meus ossos são de vidro quebradiço, minha pele se liquefaz ao contato do ar, todo meu corpo desafia a possibilidade de vida...
- Você não é diferente de ninguém. Vai morrer agora ou daqui alguns dias ou daqui alguns anos... Todo mundo é assim...
- Só que eu estou desenganada, os médicos não sabem o porquê de eu ainda estar aqui. Vou morrer, de fato, como todo mundo, mas diferente dos outros, sei que não tenho muito tempo nessa vida, compreende agora?
- Sim, entendo o que você quer dizer. Mas não é tão ruim assim. Você não pode fazer planos para o futuro, porque sabe que ele não existe. Nós, que vamos morrer e não sabemos quando, ficamos construindo planos que talvez nunca se realizarão.
- Não é isso... você ainda não entendeu, a minha vida acabou, eu estou no fim... tenho o direito de estar desesperada!
- É... e você está desesperada?
- Não.
- Todos sabemos que vamos morrer. E lutamos ardentemente pela vida afora... E tentamos viver cada vez mais e melhor. Mas viver é mais complicado quando se tem um futuro. Como você só tem o presente não precisa se preocupar com o que há de vir. O que há de vir não é pra você sofrimento, porque sofrimento é só o presente...
- Eu morro e vocês ficam vivendo sem mim. Me sinto muito sozinha... eu vou e todo mundo fica...
- É verdade... mas também pode ser que eu morra antes de você. Quem sabe? Daí, você fica sozinha em vida. Parece que se pode prever o dia da sua morte, mas não se pode prever o meu... porque eu tenho saúde e posso morrer antes de você que não tem.
- Eu sei. Mas não devia estar desesperada? Não devia estar chorando e sofrendo por não ter futuro a minha espera? Eu não vou fazer um monte de coisas que você pode fazer: não vou estudar nem trabalhar, não vou casar nem ter filhos... eu nem posso me apaixonar, porque vou morrer. Eu não tenho esperança...
- Nem eu...

*baseado em fatos reais

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Diabólico, o demônio...

Diabólico, o demônio me persegue insistente. Da maneira mais vil me mostra tudo aquilo que não tenho: a beleza e a juventude, o amor e a alegria, o luxo e a saúde.
Diabólico, o demônio me sorri sedutor. Da forma mais delicada me oferece o irresistível: a mais crua felicidade que nunca tive. E destrói minhas defesas com muito cuidado.
Diabólico, o demônio quer a minha harmonia na terra. Quer que desfrute de todas as delícias do corpo. Quer me ver, delirante e cega de amor, arquejar no entorpecimento do gozo.
Diabólico, o demônio me quer como nunca ninguém me quis. Serpenteia a minha volta e me deseja com olhos dengosos e fala galante.
Diabólico, o demônio me ama, como Deus nunca amou... Me toma nos braços e afaga e promete prazeres sem fim.
Diabólico, o demônio incendeia minha pele. E é para mim que prepara com carinho intenso a minha vaga no caldeirão do inferno.

domingo, 4 de outubro de 2009

Aurora

Enquanto um coelho verde
Voa de encontro à lua
Espalhando espanto e horror

Um grito escuro
Atravessa a madrugada
Alargando as distâncias

A dor clareia o horizonte
Tingido de rubro sangue
Mais um dia nasce comum e solitário

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vertigem

Tudo é vertigem.
A cada passo encontro o desequilíbrio.
O mundo se abre aos meus pés.
A cabeça gira em torno de si mesma.
Não há pensamento.
Não há lógica no ilógico de uma tonteira.
Meu amor me engole de volta na naúsea de não ser.
Não é vômito puro e simples.
É ânsia.
Ansiedade.
Os problemas dos outros me matam.
Os meus próprios problemas me salvam.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O oco

É sempre esse oco que me consome.

Muitas vezes ele é físico. E eu consigo senti-lo entre os meus dedos. Fundo que não tem fim. Sem nenhum tipo de carne em volta, só pele que não se rasga. Meu buraco no meio das costelas que se abrem em oco.

Outras vezes ele não é físico. Eu não consigo senti-lo com os dedos, mas sim com o sentimento. Surge um profundo oco à minha frente. Um verdadeiro abismo que não se vê com os olhos, mas, igualmente, amedronta e dá vertigem. E esse abismo me provoca tanto que dá vontade de procurar um outro abismo. Abismo de verdade. Daqueles que não se enxerga o fundo. Mas todo mundo sabe que existe fundo. Basta querer experimentá-lo. Então, essa vontade enorme vem de experimentar o abismo real para sentir se lá há fundo.

É vontade de voar também, mas é principalmente vontade de cair. Pois é na queda que se tem o verdadeiro encanto. Sabe-se que a queda pode ser fatal, mas quem se importa com isso? O que eu quero é cair.